Este período ficou marcado pela vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, no ano de 1808
, e significou o início do processo de Independência da Colônia.
O período compreendido entre 1808 e 1836 é considerado de transição
na literatura brasileira devido à transferência do poder de Portugal
para as terras brasileiras que trouxe consigo, além da corte e da
realeza, as novidades e modelos literários do Velho Continente nos
moldes franceses e ingleses. Houve também a mudança de foco artístico e
cultural, da Bahia para o Rio de Janeiro, capital da colônia desde o ano
de 1763.
O crítico literário Antônio Cândido descreveu, mais tarde, em seu
livro “Noções de Análise Histórico-literária” a falta de oferta cultural
no Brasil naqueles anos. Ele disse o seguinte:
“No Brasil não havia universidades, nem tipografias, nem
periódicos. Além da primária, a instrução se limitava à formação de
clérigos e ao nível que hoje chamamos secundário, as bibliotecas eram
poucas e limitadas aos conventos, o teatro era paupérrimo, e muito fraco
o intercâmbio entre os núcleos povoados do país, sendo dificílima a
entrada de livros.”
Esta observação feita por Antônio Cândido explica o desenvolvimento
literário incipiente, se comparado com o mesmo período na metrópole. Os
autores vistos até então eram produto da educação europeia e/ou
religiosa que recebiam, ou seja, não tinham uma identidade e toda a sua
educação cultural era influenciada por escritores estrangeiros. Com a
vinda da Família Real, os livros puderam ser impressos no território
brasileiro e, com isto, os brasileiros tinham mais acesso á livros e
obras dos escritores nacionais. Devido à Imprensa Régia, que derrubou a
medida que proibia sua impressão e difusão sem a autorização prévia de
Portugal, dando início não apenas ao desenvolvimento da literatura, mas
também a um sentimento de nacionalidade no território, uma das
principais características do período romântico brasileiro. E este fato
influenciou bastante na independência do Brasil em relação à Portugal.
O fato marcante que aconteceu nas primeiras décadas do século XIX foi
a chegada da Missão Artística Francesa, em 1816. Esta Missão foi
contratada pelo príncipe-regente D. João. Muitos artistas vieram para o
Rio de Janeiro, que era o centro das decisões politicas. Entre outros
artistas havia os pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas Antoine
Taunay, que era avô do Visconde de Taunay.
A Missão Artística Francesa foi um grupo de artistas e
artífices franceses que, deslocando-se para o Brasil no início do século
XIX, revolucionou o panorama das Belas-Artes no país introduzindo o
sistema de ensino superior acadêmico e fortalecendo o Neoclassicismo que
ali estava iniciando seu aparecimento. O grupo era liderado por Joachim
Lebreton e foi amparado pelo governo de Dom João VI, mas seu trabalho
tardou a frutificar, encontrando a resistência da tradição barroca
firmemente enraizada e tendo de enfrentar a escassez de recursos
financeiros e uma série de intrigas políticas que dissolveram boa parte
do primeiro entusiasmo oficial pelo projeto.
A Missão aportou no Rio de Janeiro a 26 de março de 1816, a bordo do navio
Calpe,
escoltado por navios ingleses, e era formado, segundo Neves, por
Joachim Lebreton, o líder, Jean Baptiste Debret, pintor
histórico, Nicolas-Antoine Taunay, pintor de paisagens e cenas
históricas, Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny, arquiteto, junto
com seus discípulos Charles de Lavasseur e Louis Ueier,Auguste Marie
Taunay, escultor, Charles-Simon Pradier, gravador, François Ovide,
mecânico, Jean Baptiste Leve, ferreiro, Nicolas Magliori Enout,
serralheiro, Pelite e Fabre, peleteiros, Louis Jean Roy e seu filho
Hypolite, carpinteiros, François Bonrepos, auxiliar de escultura,
e Félix Taunay, filho de Nicolas-Antoine, ainda apenas um jovem
aprendiz. Muitos deles trouxeram suas famílias, criados e outros
auxiliares. Pinassi acrescenta ainda os nomes de Sigismund Neukomm,
músico, e Pierre Dillon, secretário de Lebreton. Seis meses mais tarde,
uniram-se ao grupo Marc Ferrez, escultor (tio do fotógrafo Marc Ferrez)
e Zéphyrin Ferrez, gravador de medalhas.
Em 12 de junho de 1816 Lebreton elaborou um memorando para o Conde da
Barca onde propôs instaurar uma nova metodologia de ensino através da
criação de uma escola superior de Belas Artes com disciplinas
sistematizadas e graduadas. O ensino se daria em três fases:
- Desenho geral e cópia de modelos dos mestres, para todos os alunos;
- Desenho de vultos e da natureza, e elementos de modelagem para os escultores;
- Pintura acadêmica com modelo vivo para pintores; escultura com
modelo vivo para escultores, e estudo no atelier de mestres gravadores e
mestres desenhistas para os alunos destas especialidades.
Para a arquitetura haveria também três etapas divididas em teóricas e práticas:
- Na teoria:
- História da arquitetura através de estudo dos antigos;
- Construção e perspectiva;
- Estereotomia.
- Na prática:
- Desenho;
- Cópia de modelos e estudo de dimensões;
- Composição.
Paralelamente Lebreton sugeria ainda o ensino da música, bem como
sistematizava o processo e critérios de avaliação e aprovação dos
alunos, o cronograma de aulas, sugeria formas de aproveitamento público
dos formados e projetava a ampliação de coleções oficiais com suas
obras, discriminava os recursos humanos e materiais necessários para o
bom funcionamento da Escola, e previa a necessidade da formação de
artífices auxiliares competentes através da proposta de criação paralela
de uma
Escola de Desenho para as Artes e Ofícios, cujo ensino seria gratuito, mas igualmente sistemático.
Esse projeto tinha um perfil muito contrastante com o sistema de
ensino e circulação de arte até então prevalente no Brasil. Havia uma
significativa tradição artística local, como prova o rico legado de arte
barroca que ainda sobrevive no país, mas seus métodos eram em tudo
diversos. O aprendizado ainda seguia o modelo informal das corporações
de ofícios medievais, o
status de artista nem era reconhecido,
antes eram considerados meros artesãos especializados, cuja inserção na
sociedade era apenas marginal, e as temáticas privilegiadas por esse
produtores eram basicamente religiosas, uma vez que praticamente não
havia mercado algum para a arte profana, mesmo a nobreza radicada na
terra parecia pouco inclinada para os assuntos artísticos, e tudo que se
criava era encomendado pela Igreja Católica para a decoração dos
templos e mosteiros. Diante desse quadro, o sistema brasileiro de arte
da época não estava capacitado para a produção de uma arte palaciana
como a que desejava a corte, e assim se explica a rápida encampação do
projeto de Lebreton pela monarquia no exílio, considerando-o o marco
inaugural da entrada no Brasil na “verdadeira” civilização. A Missão
chegou ao Brasil imbuída de altos propósitos, como escreveu Debret:
Mas a realidade contradisse suas expectativas. Embora com o apoio
real, a missão encontrou resistência entre os artistas nativos, ainda
seguidores do Barroco, e ameaçavam a posição de mestres portugueses já
estabelecidos. A verdade é que os franceses foram recebidos como
importunos tanto por portugueses quanto por brasileiros. A rainha D.
Maria I faleceu em 1816, e o projeto de modernização da capital avançava
lentamente. O governo central tinha muitas outras preocupações a
atender – o acompanhamento da instável situação na Europa, uma revolução
em Pernambuco, as constantes demandas administrativas internas, o alto
custo de manutenção da corte, uma recessão provocada pela drástica queda
no preço internacional do açúcar e do algodão, uma grave seca no
Nordeste que desestruturou a economia regional, e os conflitos de
fronteira no sul na Questão Cisplatina, subtraindo recursos e atenção do
projeto cultural francês. O principal e um dos únicos verdadeiros
incentivadores do projeto, o Conde da Barca, faleceu no ano seguinte, o
contrato dos artistas foi posto em discussão e o cônsul francês no
Brasil, coronel Maler, não via com bons olhos a presença de
bonapartistas, sendo mais tarde acusado por Taunay de ser o principal
entrave ao bom desenvolvimento do projeto.
Enquanto a Escola não era instalada definitivamente, ficando à mercê
das oscilações políticas e sofrendo modificações no projeto original,
sucumbindo, como lamentava Debret, aos
“aos erros e vícios do ancien régime”, os
artistas sobreviviam da pensão que lhes concedera o governo, e
ocupavam-se aceitando encomendas de retratos e organizando festas
suntuosas para a corte, ao lado das aulas que conseguiam ministrar nas
precárias condições em que se achou o projeto nos primeiros anos. O
próprio grupo enfrentava dissidências internas, lutas pelo poder, e
Lebreton foi acusado de favorecimentos indevidos e má administração, e
teve de se isolar de todos, falecendo em seguida, em 1819. Como seu
sucessor foi nomeado o português, professor de Desenho, Henrique José da
Silva, artista conservador, ferrenho crítico dos franceses. O seu
primeiro gesto foi liberar os franceses de suas obrigações como
professores. Tantas foram as dificuldades que Nicolas-Antoine Taunay
abandonou o país em 1821 (ano da morte de Napoleão), deixando para trás o
seu filho, Félix Taunay. Pouco depois o Taunay escultor também faleceu,
desfalcando ainda mais o grupo primitivo, do qual foram efetivamente
aproveitados pelo governo apenas cinco integrantes: Debret, Nicolas
Taunay, Auguste Taunay, Montigny e Ovide.
Passaram dez anos antes de a Missão dar seus primeiros frutos
significativos, com a inauguração, em 5 de novembro de 1826, com a
presença de D. Pedro I, da Academia Imperial. Em 1831, Debret também
retornou à França.
Os integrantes da Missão executaram diversos trabalhos para a família
real, relacionados às datas e fatos comemorativos da monarquia, como as
cerimônias de aclamação de D. João VI (1817) e as comemorativas da
vinda da futura imperatriz Leopoldina (1817), assim como os festejos
para a aclamação e coroação de D. Pedro I em 1822. Estes eventos
envolveram a criação de obras de arquitetura efêmera, como arcos de
triunfo, obeliscos e ornamentos para a cidade. Também deixaram uma
importante série de retratos oficiais de personalidades e membros da
nobreza e registros variados da vida na corte e na cidade
Lebreton foi a força organizadora inicial do projeto. Diante das
intrigas em torno da Missão, e tendo uma personalidade difícil,
atritou-se com todos e retirou-se para uma propriedade do Flamengo,
falecendo poucos anos depois. As 50 obras de arte que adquiriu na França
e trouxe consigo formam um dos núcleos iniciais da atual coleção do
Museu Nacional de Belas Artes. Debret, cujo atelier se encontrava no
bairro do Catumbi, foi o que teve maior êxito no registrar os usos e
costumes do país, as tradições anacrônicas da corte portuguesa, como por
exemplo o beija-mão. Além de converter-se em pintor oficial do Primeiro
Reinado, Debret, sobrinho de David, deixa-se encantar pelas paisagens
exuberantes e inéditas, os costumes barrocos, e nas horas em que não
lecionava, registrou-os em uma sucessão de desenhos e aquarelas que os
retratam, e que anos mais tarde, já de volta à França, ele publicou na
Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.
Tais imagens são uma inestimável documentação visual da época, e fonte
básica para o estudo da cultura e paisagem brasileiras de então.
Já Grandjean de Montigny trabalhou para transformar a paisagem
urbanística do Rio de Janeiro, elaborando o projeto da primeira sede
oficial da Academia, do qual infelizmente só resta o pórtico, da
primeira sede da Alfândega, obra concluída em 1820, e que hoje abriga
a Casa França-Brasil, e diversas outras obras de saneamento e
urbanização, além de ter formado cerca de vinte novos arquitetos, entre
eles José Maria Jacinto Rebelo, Teodoro de Oliveira, Joaquim Cândido
Guilhobel, Domingos Monteiro e Francisco Joaquim Béthencourt da Silva.
Nicolas Taunay, que chegou ao Brasil com cerca de 60 anos, jamais se
adaptou completamente ao contexto local, mas realizou bela documentação
da paisagem em suas telas. Seu filho Félix seria mais tarde Diretor da
Academia Imperial, além de realizar obra individual de mérito, e seu
outro filho, Adrien, foi desenhista da expedição Langsdorff, nos anos
1820, deixando importantes registros visuais do interior.
Auguste Taunay foi nomeado professor da Escola Real, mas não chegou a
ocupar efetivamente o cargo. Realizou decorações na cidade do Rio na
aclamação de D. João VI. Deu aulas em regime livre, sendo mestre de José
Jorge Duarte, Xisto Antônio Pires, Manuel Ferreira Lagos, Cândido
Mateus Farias, João José da Silva Monteiro e José da Silva Santos.
A Missão teve um papel importante na atualização do Brasil em relação
ao que ocorria na Europa na época, foi a modernidade em seu
tempo. Embora o tenha exercitado de forma sistemática, não foi a
primeira nem a única força responsável pela difusão do Neoclassicismo no
país, já perceptível na obra de diversos artistas precursores atuando
aqui desde fins do século XVIII, como Antonio Landi e Mestre Valentim na
arquitetura, Manuel Dias de Oliveira na pintura e na música os últimos
integrantes da Escola Mineira, como Lobo de Mesquita e João de Deus de
Castro Lobo. Mas é certo que os princípios estéticos que a Missão
defendia foram com o tempo adotados quase na íntegra e se tornaram
naturais, integrando o novo dado à história nacional, tradição
fortalecida na gestão de Félix-Emile Taunay, filho de Nicolas, à frente
da AIBA. O projeto já foi criticado modernamente como uma
invasão consentida, uma
intervenção violenta e repressora no desenvolvimento cultural
brasileiro, que ainda trazia forte herança barroca e há pouco encontrara
a maturidade em artistas como Mestre Ataíde e Aleijadinho, mas com o
apoio oficial aos artistas neoclássicos a transição para a nova estética
foi acelerada, e com isso tumultuada.
Por outro lado, sua importância como fundadores de um novo sistema de
ensino não pode ser negligenciada, já que a Academia, mesmo encontrando
na origem sérios empecilhos e demorando para frutificar, tornar-se-ia
mais adiante a mais importante instituição oficial de arte no Brasil, e
nela se formariam gerações dos maiores artistas brasileiros, atestando a
validade do método proposto. A atuação dos franceses também contribuiu
para melhorar o
status do artista, assumindo uma postura de
cidadãos livres, profissionais, numa sociedade em vias de laicização, e
não mais submetidos à Igreja e seus temas, como se observava nos tempos
anteriores. As noções de saneamento e higiene que trouxeram iriam
modificar o urbanismo das cidades.
Foram os fundadores da arte acadêmica como estilo no Brasil, uma arte
cultivada pelo estado e organizada dentro de linhas metodológicas
rígidas, com temáticas próprias, modelos formais próprios, exames de
aptidão e sistema de premiações, e boa parcela de censura a
originalidades suspeitas de romper os cânones consagrados; tal
organização chocava o hábito de séculos, pois até ali a Igreja havia
sido o grande mecenas, e suas orientações eram diferentes. Desdenhada
por uns, aplaudida por outros, sem sombra de dúvida a arte acadêmica,
que floriu imensamente da segunda metade do século XIX até o início do
seguinte, herdeira direta dos franceses repudiados e de seu sistema, foi
o veículo formal de boa parte dos mais vigorosos monumentos da história
da arte nacional de todos os tempos.
Foram os franceses os qualificados professores da primeira geração de
artistas nacionais educados em escola pública, segundo um sistema
profissionalizante inédito, e estes formaram muitos outros de grande
valor segundo os mesmos princípios. Basta dar um lance de olhos na
listagem de artistas formados pela Academia nas décadas seguintes que se
verá uma pletora de mestres: Victor Meirelles, Almeida Júnior, Rodolfo
Amoedo, Henrique Bernardelli, Pedro Américo, Eliseu Visconti, Artur
Timóteo da Costa, Belmiro de Almeida, e tantos outros, que conseguiram,
graças à sólida formação recebida na escola, retratar o Brasil em grande
estilo, chegando a criar obras que se tornaram ícones nacionais.
Tal atividade intensa atraiu a presença no pais de mais bom número de
outros estrangeiros, como Georg Grimm, Castagneto, François-René
Moreau, Eduardo de Martino, que deram sua contribuição adicional à
cultura do Brasil. Essa tradição só se interrompeu com a absorção da
Academia, depois Escola Nacional de Belas Artes, pela atual Universidade
Federal do Rio de Janeiro, exatamente quando o Modernismo aparecia com
força na cena encerrando um grande ciclo cultural e a República
reorganizava o sistema de ensino superior.