quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Gonçalves de Magalhães

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Gonçalves de Magalhães Academia Brasileira de Letras
Nascimento 13 de agosto de 1811
Rio de Janeiro
Morte 10 de julho de 1882 (70 anos)
Roma
Nacionalidade  Brasileiro
Ocupação Médico, professor, diplomata, político, poeta e ensaísta
Magnum opus Suspiros Poéticos e Saudades
Escola/tradição Romantismo
Domingos José Gonçalves de Magalhães, primeiro e único barão e visconde do Araguaia,
 (Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1811
  – Roma, 10 de julho de 1882)
 Foi um médico, professor, diplomata, político, poeta e ensaísta brasileiro, tendo participado de missões diplomáticas na França, Itália, Vaticano, Argentina, Uruguai e Paraguai, além de ter representado a província do Rio Grande do Sul na sexta Assembleia Geral.
 Filho de Pedro Gonçalves de Magalhães Chaves.
Morreu em Roma, onde exercia cargos diplomáticos junto à Santa Sé, no ano de 1882.
Ingressou em 1828 no curso de medicina, diplomando-se em 1832. No mesmo ano estreou com "Poesias" e, no ano seguinte, parte para a Europa, com a intenção de se aperfeiçoar em medicina.
Em 1838 é nomeado professor de Filosofia do Colégio Pedro II, tendo lecionado por pouco tempo.
De 1838 a 1841 foi secretário de Caxias no Maranhão e de 1842 a 1846 no Rio Grande do Sul. Em 1847 entrou para a carreira diplomática brasileira. Foi Encarregado de Negócios nas Duas Sicílias, no Piemonte, na Rússia e na Espanha; ministro residente na Áustria; ministro dos Estados Unidos, Argentina e na Santa Sé, onde morreu.

Títulos nobiliárquicos e honrarias

Comendador da Imperial Ordem de Cristo e da Ordem de São Francisco I de Nápoles, dignitário da Imperial Ordem da Rosa e oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro.
Barão do Araguaia
Título conferido por decreto imperial em 17 de julho de 1872. Faz referência ao rio Araguaia, que em tupi significa rio do vale dos papagaios.
Visconde do Araguaia
Título conferido por decreto imperial em 12 de agosto de 1874.
Foi pai de Antônio José Gonçalves de Magalhães de Araguaia, nascido cerca de 1858, que recebeu o título de "Conde de Araguaia", concedido pela Santa Sé1 .

Gonçalves de Magalhães e o Romantismo


Três renomados escritores brasileiros do século XIX. Da esquerda para direita: Gonçalves Dias, Manuel de Araújo Porto-Alegre e Gonçalves de Magalhães (1858).

Recém-formado em Medicina, viaja para a Europa, onde entra em contato com as ideias românticas, fator essencial para a introdução do movimento no Brasil.
Sua importância está no fato de ter sido o introdutor do Romantismo no Brasil, não obstante suas obras serem consideradas fracas pela crítica literária. Embora fosse voltado para a poesia religiosa, como fica claro em Suspiros poéticos e saudades, também cultivou a poesia indianista de caráter nacionalista, como no poema épico A Confederação dos Tamoios (esta obra lhe valeu agitada polêmica com José de Alencar, relativa à visão de cada autor sobre o índio), ambas bastante fantasiosas.
Em contato com o romantismo francês, publicou em 1836 seu livro "Suspiros poéticos e saudades", cujo prefácio valeu como manifesto para o Romantismo brasileiro, sendo por isso considerado o iniciador dessa escola literária no país. Em parceria com Araújo Porto-Alegre e Torres Homem, lançou a revista "Niterói", no mesmo ano. Introduziu ali seus principais temas poéticos: as impressões dos lugares que passou, cidades tradicionais, monumentos históricos, sugestões do passado, impressões da natureza associada ao sentimento de Deus, reflexões sobre o destino de sua Pátria, sobre as paixões humanas e o efêmero da vida. Ele reafirma, dentro de um ideal religioso, que a poesia tem finalidade moralizante, capaz de ser instrumento de elevação e dignificação do ser humano, condenando o estilo mitológico.
Ao retornar ao Brasil, em 1837, é aclamado chefe da "nova escola" e volta-se para a produção teatral, que então era renovada com a produção de Martins Pena e os desempenhos de João Caetano. Escreve duas tragédias: "Antônio José" ou "O poeta e a Inquisição" (1838) e "Olgiato" (1839).
Apesar de suas ideias, várias vezes as traiu por conta de sua formação neoclássica. O poema épico "Confederação dos Tamoios" foi escrito nos moldes de O Uraguai, retornando assim ao arcadismo. Esse fato gerou grande polêmica, tendo sido atacado por José de Alencar e defendido por Monte Alverne e pelo imperador Dom Pedro II.

Psychologia e Physiologia

Segundo Massimi ,2 D. Magalhães foi um dos precursores do ensino da psicologia no Brasil, quando essa ciência ainda se iniciava transitando entre os estudos parapsicológicos e psicopatológicos. Professor do curso “Lições de Philosophie” (1837) do Colégio Imperial Pedro II com dois livros publicados sobre o tema: “Os fatos do espírito humano” (1865) e “A alma e o cérebro, estudos de Psychologia e Physiologia” (1876), ainda segundo essa autora exemplares típicos da influência francesa de filosofia espiritualista.
No ano anterior 1875 uma tese sobre o mesmo tema foi examinada pela banca e sumariamente recusada trata-se da tese de conclusão de curso intitulada Funcções do cérebro de Domingos Guedes Cabral, tal rejeição não foi aceita pelos alunos pois que no ano seguinte imprimiu-se em livro a referida tese vinculada às teorias darwinistas. Apesar de não se ter localizado uma manifestação específica de sua posição quanto a esse acontecimento, como se tem das questões indigenistas e especificamente sobre a “Confederação dos tamoyos” é evidente que se posicionava pela impossibilidade de redução das faculdades intelectuais e morais do homem frente ao conhecimento prévio da natureza e nos animais.
Apesar do seu erro de imaginar que mesmo nas teorias sobre os múltiplos centros de decisão e pensamento de Franz Joseph Gall (1758 —1828), e outros frenologistas se anularia “ser único que em nós pensa, e que repele a anarquia de tantas forças primitivas” e que ao se tomar o estudo dos animais para melhor compreensão dos processos fisiológicos humanos no que concerne ao estudo do cérebro estaríamos negando a especificidade da consciência tida como identidade do “eu”, e ação da vontade e força motriz vital Magalhães primava pelo estudo da moral e da sociedade. A psicologia, entendida como o estudo filosófico do conhecimento do homem, e a fisiologia, o seu estudo orgânico hierarquicamente subordinados A seu ver, a frenologia endossava as teorias fatalistas, contra o livre-arbítrio, onde o homem estaria submetido “ao império do destino”, “que ora o fixa ao escolho como uma ostra inerte, ora o eleva em turbilhão como a poeira”3
Massimi ,4 analisando o processo de substituição do conceito de "Alma" pelo estudo do "Eu", proposta pelos espiritualistas em refutação à impossibilidade de conhecer a subjetividade identificada por téoricos organicistas, destaca a posição de Gonçalves de Magalhães de deixar de lado as causas ocultas dos fenômenos internos da mesma forma que se pode estudar os fenômenos físicos sem entrar na indagação sobre a natureza íntima da matéria.

Obras

  • Suspiros poéticos e saudades (1836) - Considerada a obra inaugural do romantismo brasileiro
  • Antônio José ou O poeta e a Inquisição (1839)
  • A Confederação dos Tamoios, poema épico (1857)
  • Os Mistérios de Vinícius (1857)
  • Fatos do Espírito Humano, tratado filosófico (1858)
  • Urânia, poesias (1862)
  • Cânticos fúnebres, poesias (1864)
  • “Os fatos do espírito humano” (1865)
  • A alma e o cérebro, ensaios (1876)
  • Comentários e pensamentos (1880)
  • "Os indígenas do Brasil perante a História" (1860)

Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães




A obra Suspiros Poéticos e Saudades, publicada em 1836, foi considerada a obra inaugural do Romantismo no Brasil. O autor procurou criar e consolidar uma literatura nacional para o país. É dividida em duas partes: "suspiros poéticos" e “saudades”.

A primeira parte é constituída de 43 poemas sobre os mais diversos temas, tais como a própria poesia, o cristianismo, a mocidade, a fantasia, ou ainda diversas impressões sobre lugares, fatos e figuras da história. Em grande parte dos poemas há indicações de onde foram escritos, fazendo com que possamos relacionar a partir daí os diversos países nos quais o poeta esteve: Brasil, Bélgica, Suíça, França, Itália. É uma espécie de literatura poética de viagens, que, na época, deve ter fascinado muito aos jovens brasileiros. Estes, em sua grande maioria, não podiam fazer o que fizera o autor dos Suspiros Poéticos, isto é, escrever em Waterloo um poema sobre Napoleão, em Roma um poema sobre as ruínas daquela cidade, em Ferrara  uns versos sobre o cárcere de Tasso.

O livro de Magalhães, se não primava pela qualidade dos versos, unia a poesia e a experiência, a arte e a vivência,  sendo, enfim, o exemplo maior do versejar ao gosto da aventura, do novo, do exótico, ao mesmo tempo que expressava a experiência do Eu em contato direto com a cultura erudita européia, sacralizada aos olhos dos românticos brasileiros. 

Também a experiência pessoal, o contato com os amigos, faz-se presente no livro. O poema A meu amigo D. J. G. de Magalhães provavelmente não foi escrito pelo próprio Magalhães, já que foi a ele endereçado. Teria sido composto, possivelmente, por Manuel de Araújo Porto Alegre, pois, no livro, o poema que se segue intitula-se Em resposta a meu amigo M. de Araújo Porto Alegre, sugerindo um diálogo entre os dois textos. Mas nada aí está muito claro, principalmente para o leitor leigo, que desconhece o hábito de os românticos trocarem esse tipo de “correspondência” poética nas próprias obras. Teria sido bem-vinda uma nota explicativa, por parte de Sousa da Silveira ou mesmo da parte dos editores posteriores, sobre a autoria do poema. 

A segunda parte é dedicada, como o próprio título declara, à saudade, evocando em 12 poemas a pátria, a família, os amigos, enfim, pessoas, fatos e lugares caros ao poeta e dele apartados. Todavia, segundo Antonio Candido, o saudosismo de Magalhães não transcende à saudade do “menino manhoso longe da mãe”. De qualquer modo, o tema ganhou larga aceitação no romantismo brasileiro, e muitos irão chorar a falta da mãe genitora, da mãe pátria, da amada, do amigo, etc.

O primeiro manifesto teórico do nosso Romantismo é o Prólogo de Suspiros Poéticos e Saudades:

Suspiros Poéticos e Saudades

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(Prefácio aos Suspiros Poéticos e Saudades)

Pede o uso que se dê um prólogo ao Livro, como um pórtico ao edifício; e como este deve indicar por sua construção a que Divindade se consagra o templo, assim deve aquele designar o caráter da obra. Santo uso de que nos aproveitamos, para desvanecer alguns preconceitos, que talvez contra este Livro se elevem em alguns espíritos apoucados.

É um Livro de Poesias escritas segundo as impressões dos lugares; ora assentado entre as ruínas da antiga Roma, meditando sobre a sorte dos impérios; ora no cimo dos Alpes, a imaginação vagando no infinito como um átomo no espaço, ora na gótica catedral, admirando a grandeza de Deus, e os prodígios do Cristianismo; ora entre os ciprestes que espalham sua sombra sobre túmulos; ora enfim refletindo sobre a sorte da Pátria, sobre as paixões dos homens, sobre o nada da vida. São poesias de um peregrino, variadas como as cenas da Natureza, diversas como as fases da vida, mas que se harmonizam pela unidade do pensamento, e se ligam como os anéis de uma cadeia; poesias d'alma, e do coração, e que só pela alma e o coração devem ser julgadas.

Quem ao menos uma vez separou-se de seus pais, chorou sobre a campa de um amigo, e armado com o bastão de peregrino, errou de cidade em cidade, de ruína em ruína, como repudiado pelos seus; quem no silêncio da noite, cansado de fadiga, elevou até Deus uma alma piedosa, e verteu lágrimas amargas pela injustiça, e misérias dos homens; quem meditou sobre a instabilidade das coisas da vida, e sobre a ordem providencial que reina na história da Humanidade, como nossa alma em todas as nossas ações; esse achará um eco de sua alma nestas folhas que lançamos hoje a seus pés, e um suspiro que se harmonize com o seu suspiro.

Para bem se avaliar esta obra, três coisas releva notar: o fim, o gênero, e a forma.

O fim deste Livro, ao menos aquele a que nos propusemos, que ignoramos se o atingimos, é o de elevar a Poesia à sublime fonte donde ela emana, como o eflúvio d'água, que da rocha se precipita, e ao seu cume remonta, ou como a reflexão da luz ao corpo luminoso; vingar ao mesmo tempo a Poesia das profanações do vulgo, indicando apenas no Brasil uma nova estrada aos futuros engenhos.

A Poesia, este aroma d'alma, deve de contínuo subir ao Senhor; som acorde da inteligência deve santificar as virtudes, e amaldiçoar os vícios. O poeta, empunhando a lira da Razão, cumpre-lhe vibrar as cordas eternas do Santo, do Justo, e do Belo.

Ora, tal não tem sido o fim da maior parte dos nossos poetas; e o mesmo Caldas, o primeiro dos nossos líricos, tão cheio de saber, e que pudera ter sido o reformador da nossa Poesia, nos seus primores d'arte, nem sempre se apoderou desta idéia. Compõe-se uma grande parte de suas obras de traduções; e quando ele é original causa mesmo dó que cantasse o homem selvagem de preferência ao homem civilizado, como se aquele a este superasse, como se a civilização não fosse obra de Deus, a que era o homem chamado pela força da inteligência com que a Providência dos mais seres o distinguira!

Outros apenas curaram de falar aos sentidos; outros em quebrar todas as leis da decência!

Seja qual for o lugar em que se ache o poeta, ou apunhalado pelas dores, ou ao lado de sua bela, embalado pelos prazeres; no cárcere, como no palácio; na paz, como sobre o campo da batalha, se ele é verdadeiro poeta, jamais deve esquecer-se de sua missão, e acha sempre o segredo de encantar os sentidos, vibrar as cordas do coração, e elevar o pensamento nas asas da harmonia até às idéias arquétipas.

O poeta sem religião, e sem moral, é como o veneno derramado na fonte, onde morrem quantos aí procuram aplacar a sede.

Ora, nossa religião, nossa moral é aquela que nos ensinou o Filho de Deus, aquela que civilizou o mundo moderno, aquela que ilumina a Europa, e a América e só este bálsamo sagrado devem verter os cânticos dos poetas brasileiros.

Uma vez determinado e conhecido o fim, o gênero se apresenta naturalmente. Até aqui, como só se procurava fazer uma obra segundo a Arte, imitar era o meio indicado: fingida era a inspiração, e artificial o entusiasmo. Desprezavam os poetas a consideração se a Mitologia podia, ou não, influir sobre nós. Contanto que dissessem que as Musas do Hélicon os inspiravam, que Febo guiava seu carro puxado pela quadriga, que a Aurora abria as portas do Oriente com seus dedos de rosas, e outras tais e quejandas imagens tão usadas, cuidavam que tudo tinham feito, e que com Homero emparelhavam; como se pudesse parecer belo quem achasse algum velho manto grego, e com ele se cobrisse. Antigos e safados ornamentos, de que todos se servem, a ninguém honram!

Quanto à forma, isto é, a construção, por assim dizer, material das estrofes, e de cada cântico em particular, nenhuma ordem seguimos; exprimindo as idéias como elas se apresentaram, para não destruir o acento da inspiração; além de que, a igualdade dos versos, a regularidade das rimas, e a simetria das estâncias produz uma tal monotonia, e dá certa feição de concertado artificio que jamais podem agradar. Ora, não se compõe uma orquestra só com sons doces e flautados; cada paixão requer sua linguagem própria, seus sons imitativos, e períodos explicativos.

Quando em outro tempo publicamos um volume das Poesias da nossa infância, não tínhamos ainda assaz refletido sobre estes pontos, e em quase todas estas faltas incorremos; hoje, porém, cuidamos ter seguido melhor caminho. Valha-nos ao menos o bom desejo, se não correspondem as obras ao nosso intento; outros mais mimosos da Natureza farão o que não nos é dado.

Algumas palavras acharão neste Livro que nos Dicionários Portugueses se não encontram; mas as línguas vivas se enriquecem com o progresso da civilização, e das ciências, e uma nova idéia pede um novo termo.

Eis as necessárias explicações para aqueles que lêem de boa fé, e se aprazem de colher uma pérola no meio das ondas; para aqueles, porém, que com olhos de prisma tudo decompõem, e como as serpentes sabem converter em veneno até o néctar das flores, tudo é perdido; o que poderemos nós dizer-lhes?.. . Eis mais uma pedra onde afiem suas presas; mais uma taça onde saciem sua febre de escárnio.

Este Livro é uma tentativa, é um ensaio; se ele merecer o público acolhimento, cobraremos ânimo, e continuaremos a publicar outros que já temos feito, e aqueles que fazer poderemos com o tempo.

É um novo tributo que pagamos à Pátria, enquanto lhe não oferecemos coisa de maior valia; é o resultado de algumas horas de repouso, em que a imaginação se dilata, e a atenção descansa, fatigada pela seriedade da ciência.

Tu vais, oh Livro, ao meio do turbilhão em que se debate nossa Pátria; onde a trombeta da mediocridade abala todos os ossos, e desperta todas as ambições; onde tudo está gelado, exceto o egoísmo: tu vais, como uma folha no meio da floresta batida pelos ventos do inverno, e talvez tenhas de perder-te antes de ser ouvido, como um grito no meio da tempestade.

Vai; nós te enviamos, cheio de amor pela Pátria, de entusiasmo por tudo o que é grande, e de esperanças em Deus, e no futuro.

Adeus!

Paris, julho de 1836.

O Romantismo

O Romantismo se inicia no Brasil em 1836, quando Gonçalves de Magalhães publica na França a "Niterói - Revista Brasiliense", e, no mesmo ano, lança um livro de poesias românticas intitulado "Suspiros poéticos e saudades".
Em 1822, Dom Pedro I concretiza um movimento que se fazia sentir, de forma mais imediata, desde 1808: a independência do Brasil. A partir desse momento, o novo país necessita inserir-se no modelo moderno, acompanhando as nações independentes da Europa e América. A imagem do português conquistador deveria ser varrida. Há a necessidade de auto-afirmação da pátria que se formava. O ciclo da mineração havia dado condições para que as famílias mais abastadas mandassem seus filhos à Europa, em particular França e Inglaterra, onde buscam soluções para os problemas brasileiros. O Brasil de então nem chegava perto da formação social dos países industrializados da Europa (burguesia/proletariado). A estrutura social do passado próximo (aristocracia/escravo) ainda prevalecia. Nesse Brasil, segundo o historiador José de Nicola, "o ser burguês ainda não era uma posição econômica e social, mas mero estado de espírito, norma de comportamento".
Marco final - Nesse período, Gonçalves de Magalhães viajava pela Europa. Em 1836, ele funda a revista Niterói, da qual circularam apenas dois números, em Paris. Nela, ele publica o "Ensaio sobre a história da literatura brasileira", considerado o nosso primeiro manifesto romântico. Essa escola literária só teve seu marco final no ano de 1881, quando foram lançados os primeiros romances de tendência naturalista e realista, como "O mulato", de Aluízio Azevedo, e "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. Manifestações do movimento realista, aliás, já vinham ocorrendo bem antes do início da decadência do Romantismo, como, por exemplo, o liderado por Tobias Barreto desde 1870, na Escola de Recife.
O Romantismo, como se sabe, define-se como modismo nas letras universais a partir dos últimos 25 anos do século XVIII. A segunda metade daquele século, com a industrialização modificando as antigas relações econômicas, leva a Europa a uma nova composição do quadro político e social, que tanto influenciaria os tempos modernos. Daí a importância que os modernistas deram à Revolução Francesa, tão exaltada por Gonçalves de Magalhães. Em seu "Discurso sobre a história da literatura do Brasil", ele diz: "...Eis aqui como o Brasil deixou de ser colônia e foi depois elevado à categoria de Reino Unido. Sem a Revolução Francesa, que tanto esclareceu os povos, esse passo tão cedo se não daria...".
A classe social delineia-se em duas classes distintas e antagônicas, embora atochassem paralelas durante a Revolução Francesa: a classe dominante, agora representada pela burguesia capitalista industrial, e a classe dominada, representada pelo proletariado. O Romantismo foi uma escola burguesa de caráter ideológico, a favor da classe dominante. Daí porque o nacionalismo, o sentimentalismo, o subjetivismo e o irracionalismo - características marcantes do Romantismo inicial - não podem ser analisados isoladamente, sem se fazer menção à sua carga ideológica.
Novas influências - No Brasil, o momento histórico em que ocorre o Romantismo tem que ser visto a partir das últimas produções árcades, caracterizadas pela sátira política de Gonzaga e Silva Alvarenga. Com a chegada da Corte, o Rio de Janeiro passa por um processo de urbanização, tornando-se um campo propício à divulgação das novas influências européias. A colônia caminhava no rumo da independência.
Após 1822, cresce no Brasil independente o sentimento de nacionalismo, bus-ca-se o passado histórico, exalta-se a natureza pátria. Na realidade, características já cultivadas na Europa, e que se encaixaram perfeitamente à necessidade brasileira de ofuscar profundas crises sociais, financeiras e econômicas.
De 1823 a 1831, o Brasil viveu um período conturbado, como reflexo do autoritarismo de D. Pedro I: a dissolução da Assembléia Constituinte; a Constituição outorgada; a Confederação do Equador; a luta pelo trono português contra seu irmão D. Miguel; a acusação de ter mandado assassinar Líbero Badaró e, finalmente, a abolição da escravatura. Segue-se o período regencial e a maioridade prematura de Pedro II. É neste ambiente confuso e inseguro que surge o Romantismo brasileiro, carregado de lusofobia e, principalmente, de nacionalismo.
No final do Romantismo brasileiro, a partir de 1860, as transformações econômicas, políticas e sociais levam a uma literatura mais próxima da realidade; a poesia reflete as grandes agitações, como a luta abolicionista, a Guerra do Paraguai, o ideal de República. É a decadência do regime monárquico e o aparecimento da poesia social de Castro Alves. No fundo, uma transição para o Realismo.
O Romantismo apresenta uma característica inusitada: revela nitidamente uma evolução no comportamento dos autores românticos. A comparação entre os primeiros e os últimos representantes dessa escola mostra traços peculiares a cada fase, mas discrepantes entre si. No caso brasileiro, por exemplo, há uma distância considerável entre a poesia de Gonçalves Dias e a de Castro Alves. Daí a necessidade de se dividir o Romantismo em fases ou gerações. No romantismo brasileiro podemos reconhecer três gerações: geração nacionalista ou indianista; geração do "mal do século" e a "geração condoreira".
A primeira (nacionalista ou indianista) é marcada pela exaltação da natureza, volta ao passado histórico, medievalismo, criação do herói nacional na figura do índio, de onde surgiu a denominação "geração indianista". O sentimentalismo e a religiosidade são outras características presentes. Entre os principais autores, destacam-se Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e Araújo Porto.
Egocentrismo - A segunda (do "mal do século", também chamada de geração byroniana, de Lorde Byron) é impregnada de egocentrismo, negativismo boêmio, pessimismo, dúvida, desilusão adolescente e tédio constante. Seu tema preferido é a fuga da realidade, que se manifesta na idealização da infância, nas virgens sonhadas e na exaltação da morte. Os principais poetas dessa geração foram Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.
A geração condoreira, caracterizada pela poesia social e libertária, reflete as lutas internas da segunda metade do reinado de D. Pedro II. Essa geração sofreu intensamente a influência de Victor Hugo e de sua poesia político-social, daí ser conhecida como geração iguana. O termo condoreirismo é conseqüência do símbolo de liberdade adotado pelos jovens românticos: o condor, águia que habita o alto da cordilheira dos Andes. Seu principal representante foi Castro Alves, seguido por Tobias Barreto e Sousândrade.
Duas outras variações literárias do Romantismo merecem destaque: a prosa e o teatro romântico. José de Nicola demonstrou quais as explicações para o aparecimento e desenvolvimento do romance no Brasil: "A importação ou simples tradução de romances europeus; a urbanização do Rio de Janeiro, transformado, então, em Corte, criando uma sociedade consumidora representada pela aristocracia rural, profissionais liberais, jovens estudantes, todos em busca de entretenimento; o espírito nacionalista em conseqüência da independência política a exigir uma "cor local" para os enredos; o jornalismo vivendo o seu primeiro grande impulso e a divulgação em massa de folhetins; o avanço do teatro nacional".
Os romances respondiam às exigências daquele público leitor; giravam em Torino da descrição dos costumes urbanos, ou de amenidades das zonas rurais, ou de imponentes selvagens, apresentando personagens idealizados pela imaginação e ideologia românticas com os quais o leitor se identificava, vivendo uma realidade que lhe convenha. Algumas poucas obras, porém, fugiram desse esquema, como "Memórias de um Sargento de Milícias", de Manuel Antônio de Almeida, e até "Inocência", do Visconde de Taunay.
Ao se considerar a mera cronologia, o primeiro romance brasileiro foi "O filho do pescador", publicado em 1843, de autoria de Teixeira de Souza (1812-1881). Mas se tratava de um romance sentimentalóide, de trama confusa e que não serve para definir as linhas que o romance romântico seguiria na literatura brasileira.
Por esta razão, sobretudo pela aceitação obtida junto ao público leitor, justa-mente por ter moldado o gosto deste público ou correspondido às suas expectativas, convencionou-se adotar o romance "A Moreninha", de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844, como o primeiro romance brasileiro.
Dentro das características básicas da prosa romântica, destacam-se, além de Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida e José de Alencar. Almeida, por sinal, com as "Memórias de um Sargento de Milícias" realizou uma obra total-mente inovadora para sua época, exatamente quando Macedo dominava o ambiente literário. As peripécias de um sargento descritas por ele podem ser consideradas como o verdadeiro romance de costumes do Romantismo brasileiro, pois abandona a visão da burguesia urbana, para retratar o povo com toda a sua simplicidade.
"Casamento" - José de Alencar, por sua vez, aparece na literatura brasileira como o consolidado do romance, um ficcionista que cai no gosto popular. Sua obra é um retrato fiel de suas posições políticas e sociais. Ele defendia o "casamento" entre o nativo e o europeu colonizador, numa troca de favores: uns ofereciam a natureza virgem, um solo esplêndido; outros a cultura. Da soma desses fatores resultaria um Brasil independente. "O guarani" é o melhor exemplo, ao se observar a relação do principal personagem da obra, o índio Fere, com a família de D. Antônio de Maces.
Este jogo de interesses entre o índio e o europeu, proposto por Alencar, aparece também em "Iracema" (um anagrama da palavra América), na relação da índia com o português Martim. Moacir, filho de Iracema e Martim, é o primeiro brasileiro fruto desse casamento.
José de Alencar diversificou tanto sua obra que tornou possível uma classificação por modalidades: romances urbanos ou de costumes (retratando a sociedade carioca de sua época - o Rio do II Reinado); romances históricos (dois, na verdade, volta-los para o período colonial brasileiro - "As minas de prata" e "A guerra dos mascastes"); romances regionais ("O sertanejo" e "O gaúcho" são as duas obras regionais de Alencar); romances rurais ( como "Til" e "O tronco do ipê"; e romances indianistas, que trouxeram maior popularidade para o escritor, como "O Guarani", "Iracema" e "Ubirajara

Período de transição (1808 a 1836

Este período ficou marcado pela vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, no ano de 1808, e significou o início do processo de Independência da Colônia.
O período compreendido entre 1808 e 1836 é considerado de transição na literatura brasileira devido à transferência do poder de Portugal para as terras brasileiras que trouxe consigo, além da corte e da realeza, as novidades e modelos literários do Velho Continente nos moldes franceses e ingleses. Houve também a mudança de foco artístico e cultural, da Bahia para o Rio de Janeiro, capital da colônia desde o ano de 1763.
O crítico literário Antônio Cândido descreveu, mais tarde, em seu livro “Noções de Análise Histórico-literária” a falta de oferta cultural no Brasil naqueles anos. Ele disse o seguinte:
“No Brasil não havia universidades, nem tipografias, nem periódicos. Além da primária, a instrução se limitava à formação de clérigos e ao nível que hoje chamamos secundário, as bibliotecas eram poucas e limitadas aos conventos, o teatro era paupérrimo, e muito fraco o intercâmbio entre os núcleos povoados do país, sendo dificílima a entrada de livros.”
Esta observação feita por Antônio Cândido explica o desenvolvimento literário incipiente, se comparado com o mesmo período na metrópole. Os autores vistos até então eram produto da educação europeia e/ou religiosa que recebiam, ou seja, não tinham uma identidade e toda a sua educação cultural era influenciada por escritores estrangeiros. Com a vinda da Família Real, os livros puderam ser impressos no território brasileiro e, com isto, os brasileiros tinham mais acesso á livros e obras dos escritores nacionais. Devido à Imprensa Régia, que derrubou a medida que proibia sua impressão e difusão sem a autorização prévia de Portugal, dando início não apenas ao desenvolvimento da literatura, mas também a um sentimento de nacionalidade no território, uma das principais características do período romântico brasileiro. E este fato influenciou bastante na independência do Brasil em relação à Portugal.
O fato marcante que aconteceu nas primeiras décadas do século XIX foi a chegada da Missão Artística Francesa, em 1816. Esta Missão foi contratada pelo príncipe-regente D. João. Muitos artistas vieram para o Rio de Janeiro, que era o centro das decisões politicas. Entre outros artistas havia os pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas Antoine Taunay, que era avô do Visconde de Taunay.
A Missão Artística Francesa foi um grupo de artistas e artífices franceses que, deslocando-se para o Brasil no início do século XIX, revolucionou o panorama das Belas-Artes no país introduzindo o sistema de ensino superior acadêmico e fortalecendo o Neoclassicismo que ali estava iniciando seu aparecimento. O grupo era liderado por Joachim Lebreton e foi amparado pelo governo de Dom João VI, mas seu trabalho tardou a frutificar, encontrando a resistência da tradição barroca firmemente enraizada e tendo de enfrentar a escassez de recursos financeiros e uma série de intrigas políticas que dissolveram boa parte do primeiro entusiasmo oficial pelo projeto.
A Missão aportou no Rio de Janeiro a 26 de março de 1816, a bordo do navio Calpe, escoltado por navios ingleses, e era formado, segundo Neves, por Joachim Lebreton, o líder, Jean Baptiste Debret, pintor histórico, Nicolas-Antoine Taunay, pintor de paisagens e cenas históricas, Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny, arquiteto, junto com seus discípulos Charles de Lavasseur e Louis Ueier,Auguste Marie Taunay, escultor, Charles-Simon Pradier, gravador, François Ovide, mecânico, Jean Baptiste Leve, ferreiro, Nicolas Magliori Enout, serralheiro, Pelite e Fabre, peleteiros, Louis Jean Roy e seu filho Hypolite, carpinteiros, François Bonrepos, auxiliar de escultura, e Félix Taunay, filho de Nicolas-Antoine, ainda apenas um jovem aprendiz. Muitos deles trouxeram suas famílias, criados e outros auxiliares. Pinassi acrescenta ainda os nomes de Sigismund Neukomm, músico, e Pierre Dillon, secretário de Lebreton. Seis meses mais tarde, uniram-se ao grupo Marc Ferrez, escultor (tio do fotógrafo Marc Ferrez) e Zéphyrin Ferrez, gravador de medalhas.
Em 12 de junho de 1816 Lebreton elaborou um memorando para o Conde da Barca onde propôs instaurar uma nova metodologia de ensino através da criação de uma escola superior de Belas Artes com disciplinas sistematizadas e graduadas. O ensino se daria em três fases:
  • Desenho geral e cópia de modelos dos mestres, para todos os alunos;
  • Desenho de vultos e da natureza, e elementos de modelagem para os escultores;
  • Pintura acadêmica com modelo vivo para pintores; escultura com modelo vivo para escultores, e estudo no atelier de mestres gravadores e mestres desenhistas para os alunos destas especialidades.
Para a arquitetura haveria também três etapas divididas em teóricas e práticas:
  • Na teoria:
  • História da arquitetura através de estudo dos antigos;
  • Construção e perspectiva;
  • Estereotomia.
  • Na prática:
  • Desenho;
  • Cópia de modelos e estudo de dimensões;
  • Composição.
Paralelamente Lebreton sugeria ainda o ensino da música, bem como sistematizava o processo e critérios de avaliação e aprovação dos alunos, o cronograma de aulas, sugeria formas de aproveitamento público dos formados e projetava a ampliação de coleções oficiais com suas obras, discriminava os recursos humanos e materiais necessários para o bom funcionamento da Escola, e previa a necessidade da formação de artífices auxiliares competentes através da proposta de criação paralela de uma Escola de Desenho para as Artes e Ofícios, cujo ensino seria gratuito, mas igualmente sistemático.
Esse projeto tinha um perfil muito contrastante com o sistema de ensino e circulação de arte até então prevalente no Brasil. Havia uma significativa tradição artística local, como prova o rico legado de arte barroca que ainda sobrevive no país, mas seus métodos eram em tudo diversos. O aprendizado ainda seguia o modelo informal das corporações de ofícios medievais, o status de artista nem era reconhecido, antes eram considerados meros artesãos especializados, cuja inserção na sociedade era apenas marginal, e as temáticas privilegiadas por esse produtores eram basicamente religiosas, uma vez que praticamente não havia mercado algum para a arte profana, mesmo a nobreza radicada na terra parecia pouco inclinada para os assuntos artísticos, e tudo que se criava era encomendado pela Igreja Católica para a decoração dos templos e mosteiros. Diante desse quadro, o sistema brasileiro de arte da época não estava capacitado para a produção de uma arte palaciana como a que desejava a corte, e assim se explica a rápida encampação do projeto de Lebreton pela monarquia no exílio, considerando-o o marco inaugural da entrada no Brasil na “verdadeira” civilização. A Missão chegou ao Brasil imbuída de altos propósitos, como escreveu Debret:
Mas a realidade contradisse suas expectativas. Embora com o apoio real, a missão encontrou resistência entre os artistas nativos, ainda seguidores do Barroco, e ameaçavam a posição de mestres portugueses já estabelecidos. A verdade é que os franceses foram recebidos como importunos tanto por portugueses quanto por brasileiros. A rainha D. Maria I faleceu em 1816, e o projeto de modernização da capital avançava lentamente. O governo central tinha muitas outras preocupações a atender – o acompanhamento da instável situação na Europa, uma revolução em Pernambuco, as constantes demandas administrativas internas, o alto custo de manutenção da corte, uma recessão provocada pela drástica queda no preço internacional do açúcar e do algodão, uma grave seca no Nordeste que desestruturou a economia regional, e os conflitos de fronteira no sul na Questão Cisplatina, subtraindo recursos e atenção do projeto cultural francês. O principal e um dos únicos verdadeiros incentivadores do projeto, o Conde da Barca, faleceu no ano seguinte, o contrato dos artistas foi posto em discussão e o cônsul francês no Brasil, coronel Maler, não via com bons olhos a presença de bonapartistas, sendo mais tarde acusado por Taunay de ser o principal entrave ao bom desenvolvimento do projeto.
Enquanto a Escola não era instalada definitivamente, ficando à mercê das oscilações políticas e sofrendo modificações no projeto original, sucumbindo, como lamentava Debret, aos “aos erros e vícios do ancien régime”, os artistas sobreviviam da pensão que lhes concedera o governo, e ocupavam-se aceitando encomendas de retratos e organizando festas suntuosas para a corte, ao lado das aulas que conseguiam ministrar nas precárias condições em que se achou o projeto nos primeiros anos. O próprio grupo enfrentava dissidências internas, lutas pelo poder, e Lebreton foi acusado de favorecimentos indevidos e má administração, e teve de se isolar de todos, falecendo em seguida, em 1819. Como seu sucessor foi nomeado o português, professor de Desenho, Henrique José da Silva, artista conservador, ferrenho crítico dos franceses. O seu primeiro gesto foi liberar os franceses de suas obrigações como professores. Tantas foram as dificuldades que Nicolas-Antoine Taunay abandonou o país em 1821 (ano da morte de Napoleão), deixando para trás o seu filho, Félix Taunay. Pouco depois o Taunay escultor também faleceu, desfalcando ainda mais o grupo primitivo, do qual foram efetivamente aproveitados pelo governo apenas cinco integrantes: Debret, Nicolas Taunay, Auguste Taunay, Montigny e Ovide.
Passaram dez anos antes de a Missão dar seus primeiros frutos significativos, com a inauguração, em 5 de novembro de 1826, com a presença de D. Pedro I, da Academia Imperial. Em 1831, Debret também retornou à França.
Os integrantes da Missão executaram diversos trabalhos para a família real, relacionados às datas e fatos comemorativos da monarquia, como as cerimônias de aclamação de D. João VI (1817) e as comemorativas da vinda da futura imperatriz Leopoldina (1817), assim como os festejos para a aclamação e coroação de D. Pedro I em 1822. Estes eventos envolveram a criação de obras de arquitetura efêmera, como arcos de triunfo, obeliscos e ornamentos para a cidade. Também deixaram uma importante série de retratos oficiais de personalidades e membros da nobreza e registros variados da vida na corte e na cidade
Lebreton foi a força organizadora inicial do projeto. Diante das intrigas em torno da Missão, e tendo uma personalidade difícil, atritou-se com todos e retirou-se para uma propriedade do Flamengo, falecendo poucos anos depois. As 50 obras de arte que adquiriu na França e trouxe consigo formam um dos núcleos iniciais da atual coleção do Museu Nacional de Belas Artes. Debret, cujo atelier se encontrava no bairro do Catumbi, foi o que teve maior êxito no registrar os usos e costumes do país, as tradições anacrônicas da corte portuguesa, como por exemplo o beija-mão. Além de converter-se em pintor oficial do Primeiro Reinado, Debret, sobrinho de David, deixa-se encantar pelas paisagens exuberantes e inéditas, os costumes barrocos, e nas horas em que não lecionava, registrou-os em uma sucessão de desenhos e aquarelas que os retratam, e que anos mais tarde, já de volta à França, ele publicou na Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Tais imagens são uma inestimável documentação visual da época, e fonte básica para o estudo da cultura e paisagem brasileiras de então.
Já Grandjean de Montigny trabalhou para transformar a paisagem urbanística do Rio de Janeiro, elaborando o projeto da primeira sede oficial da Academia, do qual infelizmente só resta o pórtico, da primeira sede da Alfândega, obra concluída em 1820, e que hoje abriga a Casa França-Brasil, e diversas outras obras de saneamento e urbanização, além de ter formado cerca de vinte novos arquitetos, entre eles José Maria Jacinto Rebelo, Teodoro de Oliveira, Joaquim Cândido Guilhobel, Domingos Monteiro e Francisco Joaquim Béthencourt da Silva.
Nicolas Taunay, que chegou ao Brasil com cerca de 60 anos, jamais se adaptou completamente ao contexto local, mas realizou bela documentação da paisagem em suas telas. Seu filho Félix seria mais tarde Diretor da Academia Imperial, além de realizar obra individual de mérito, e seu outro filho, Adrien, foi desenhista da expedição Langsdorff, nos anos 1820, deixando importantes registros visuais do interior.
Auguste Taunay foi nomeado professor da Escola Real, mas não chegou a ocupar efetivamente o cargo. Realizou decorações na cidade do Rio na aclamação de D. João VI. Deu aulas em regime livre, sendo mestre de José Jorge Duarte, Xisto Antônio Pires, Manuel Ferreira Lagos, Cândido Mateus Farias, João José da Silva Monteiro e José da Silva Santos.
A Missão teve um papel importante na atualização do Brasil em relação ao que ocorria na Europa na época, foi a modernidade em seu tempo. Embora o tenha exercitado de forma sistemática, não foi a primeira nem a única força responsável pela difusão do Neoclassicismo no país, já perceptível na obra de diversos artistas precursores atuando aqui desde fins do século XVIII, como Antonio Landi e Mestre Valentim na arquitetura, Manuel Dias de Oliveira na pintura e na música os últimos integrantes da Escola Mineira, como Lobo de Mesquita e João de Deus de Castro Lobo. Mas é certo que os princípios estéticos que a Missão defendia foram com o tempo adotados quase na íntegra e se tornaram naturais, integrando o novo dado à história nacional, tradição fortalecida na gestão de Félix-Emile Taunay, filho de Nicolas, à frente da AIBA. O projeto já foi criticado modernamente como uma invasão consentida, uma intervenção violenta e repressora no desenvolvimento cultural brasileiro, que ainda trazia forte herança barroca e há pouco encontrara a maturidade em artistas como Mestre Ataíde e Aleijadinho, mas com o apoio oficial aos artistas neoclássicos a transição para a nova estética foi acelerada, e com isso tumultuada.
Por outro lado, sua importância como fundadores de um novo sistema de ensino não pode ser negligenciada, já que a Academia, mesmo encontrando na origem sérios empecilhos e demorando para frutificar, tornar-se-ia mais adiante a mais importante instituição oficial de arte no Brasil, e nela se formariam gerações dos maiores artistas brasileiros, atestando a validade do método proposto. A atuação dos franceses também contribuiu para melhorar o status do artista, assumindo uma postura de cidadãos livres, profissionais, numa sociedade em vias de laicização, e não mais submetidos à Igreja e seus temas, como se observava nos tempos anteriores. As noções de saneamento e higiene que trouxeram iriam modificar o urbanismo das cidades.
Foram os fundadores da arte acadêmica como estilo no Brasil, uma arte cultivada pelo estado e organizada dentro de linhas metodológicas rígidas, com temáticas próprias, modelos formais próprios, exames de aptidão e sistema de premiações, e boa parcela de censura a originalidades suspeitas de romper os cânones consagrados; tal organização chocava o hábito de séculos, pois até ali a Igreja havia sido o grande mecenas, e suas orientações eram diferentes. Desdenhada por uns, aplaudida por outros, sem sombra de dúvida a arte acadêmica, que floriu imensamente da segunda metade do século XIX até o início do seguinte, herdeira direta dos franceses repudiados e de seu sistema, foi o veículo formal de boa parte dos mais vigorosos monumentos da história da arte nacional de todos os tempos.
Foram os franceses os qualificados professores da primeira geração de artistas nacionais educados em escola pública, segundo um sistema profissionalizante inédito, e estes formaram muitos outros de grande valor segundo os mesmos princípios. Basta dar um lance de olhos na listagem de artistas formados pela Academia nas décadas seguintes que se verá uma pletora de mestres: Victor Meirelles, Almeida Júnior, Rodolfo Amoedo, Henrique Bernardelli, Pedro Américo, Eliseu Visconti, Artur Timóteo da Costa, Belmiro de Almeida, e tantos outros, que conseguiram, graças à sólida formação recebida na escola, retratar o Brasil em grande estilo, chegando a criar obras que se tornaram ícones nacionais.
Tal atividade intensa atraiu a presença no pais de mais bom número de outros estrangeiros, como Georg Grimm, Castagneto, François-René Moreau, Eduardo de Martino, que deram sua contribuição adicional à cultura do Brasil. Essa tradição só se interrompeu com a absorção da Academia, depois Escola Nacional de Belas Artes, pela atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, exatamente quando o Modernismo aparecia com força na cena encerrando um grande ciclo cultural e a República reorganizava o sistema de ensino superior.